terça-feira, 22 de maio de 2012

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ARTIGO 22/05/2012

Vida de locutor

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Começa o dia muito bem, obrigado. Estuda as notícias do mundo naquela manhã e o faz com prazer pessoal e profissional, pratica sua lição diária de francês, come um majestoso café da manhã, brinca com o filho. Com um beijo no rosto, despede-se dele e da esposa.

Logo no caminho para a emissora, aborrecimentos. Vê o mendigo de sempre, com a mesma placa, no mesmo sinal. Como habitualmente, nega o dinheiro, mesmo que de modo algum lhe faça falta. Pensa com tamanha soberba sobre a falta de compromisso daquele homem miserável, se é que pode ser chamado homem. O sinal fica verde e prossegue a viagem. Para o guardador de carros, já solta algum mísero trocado (com algum desgosto), com medo de um novo assalto, motivo pelo qual trocou a rua onde estaciona o carro, nem caro, nem barato, nem velho, nem novo.

Trabalha com vigor nas notícias que irá apresentar ao vivo, motivo de sua glória e de seu montante médio. À hora do lanche, retira-se para comer, fato não consumado porque a garçonete desequilibrou-se com a bandeja e sujou todo o uniforme por cima do corpo negro. Revoltado, voltou à emissora e, soberba inflada, pensa na inaptidão dessa “gente” (era como se referia aos negros e mulatos) para tudo. “Todos eles são assim...” pensa anestesiado pela própria raiva.

Anuncia as notícias e a última delas refere-se ao estupro e assassinato brutal de uma negra. “O preconceito racial é um mal que não acaba” é a sua frase final no telejornal, dita sem reflexões profundas como as daquela tarde. Volta desconcertado para o camarim.E não pela primeira vez.

Ryuji Santiago
M33M Farias Brito
publicado no JORNAL DO LEITOR - O POVO