sexta-feira, 8 de maio de 2009

NÃO PODEMOS DEIXAR DE LER...

Crônica

Comendo lagartas e defecando borboletas
Em plena Praça do Ferreira, o cronista Raymundo Netto assiste uma cena que lhe causa indignação poética: a polícia prende o poeta Mário Gomes. Tem início o resgate desta figura que é patrimônio afetivo da cidade

Raymundo Netto
especial para O POVO
08 Mai 2009 - 00h31min

Tumulto na rua. O camburão da polícia chegava em frente ao Palacete Ceará à praça do Ferreira. Assalto? sequestro? Não, prenderam “O” poeta. Quem? Ora, quem... o Mário Gomes, sabe, não?

Era isso mesmo. Mário Gomes, aquele que conseguiu se estabelecer como poeta, mesmo por quem não conhece ou lembra um único verso seu — ao contrário de outros que lançam livros e livros, recebem títulos e medalhas, cobertura da alta imprensa e ninguém admite a honraria —, o tipo popular-mor da nossa blond cidade, estava sendo preso. Motivo? Baixara as calças para alguém que caçoara de seus trejeitos, de suas vestes, de sua existência. Ele reagiu, a polícia chegou para pôr ordem e recolheu o “poeta das sarjetas” no parachoque do camburão. Uma multidão de populares o acompanhou. Alguém se dirigiu ao oficial e, como se existisse tal licença (imunidade?) poética, perguntou: “Ele é o Mário Gomes, o poeta, o senhor não o conhece?” Uma senhora chora, outra resmunga: “Deviam prender é bandido!” O povo se revolta, discute, os policiais pareciam nervosos. O Mário, coitado, vestido como um Judas em Sábado de Aleluia, bodejava alguma coisa incompreensível, sei lá o quê, balançava as mãos e fazia caretas, tal qual um menino malino, “um enigma das letras, um amante das estrelas”. A barba malfeita perseguia os cabelos ralos, o nariz torto separava indiferentes olhos verdes a balançar os inchados tornozelos.

Aproximei-me e perguntei o que acontecera. “Eu só queria lançar o meu livro (refere-se à biografia) de novo”, retirou do bolso Mário Gomes: poeta, santo e bandido do Márcio Catunda, abriu e leu:

— O meu legado, deixo ao querido povo cearense! — daí, treme, lacrimejam os olhos, não gosta que o vejam assim, dá-me as costas, passa um lenço na vista, volta-se quase que esfregando o livro nas minhas ventas e repete: — O meu legado deixo à porra do povo cearense! — assisto à indignação, melancólico. Compreendo perfeitamente.

— Pagamento de poeta, Raymundo, é tapa e pontapés! Só isso, fazer poesia aqui é isso...

Um rapaz ao lado me disse que ele comprara quase todos os exemplares de Sábado: estação de viver do Juarez Leitão apenas para mostrar a sua foto aos passantes da praça e provar a todos que ele não era qualquer um, não.

Tupy, um cachorro velho, chegou apreensivo. Mário sorriu:
— Dentre amigos encontrei cachorros; dentre cachorros encontrei amigos. Desculpe, amiguinho, aderi à Fome Zero, tenho nada. — lamentou, retirando dos bolsos do paletó pedaços de guardanapos, retalhos de versos.

Recordei que há poucas semanas havia encontrado o poeta na praça. Estava mais mungangoso que o normal. Paguei-lhe um pacote de biscoitos. Perguntou-me se eu tinha mesmo 40 anos, pois lera o meu livro — em certa ocasião o presenteei com um exemplar — e estava certo de que, apesar da aparência, eu tinha pelo menos uns 80.

— Raymundo, você escreveu um livro muito bom... é um grande literato que fala das calçadas velhas... das calças das velhas... Ah, as calças das velhas estão cheias de moscas! — riu.

— “Cadeiras na calçada”, Mário. Deixe de invenção!
— Já tem uns quinze anos que a gente não se vê, não é?
— Que é isso, Mário, a gente se viu no ano passado, aniversário da Padaria Espiritual, aqui mesmo na praça, lembra?
— Padaria Espiritual? Padaria Espiritual? Não, acho que não... Eu nunca fiz parte da Padaria, eu sou do Clube dos Poetas Cearenses.
Perguntei pela “Turma do Escritório” e ele lamentou o abandono de alguns:
— Tem um poetinha de araque, um retardado, que vez ou outra vem falar comigo. Diz que é meu discípulo. O carinha quer ser eu, sem ter a coragem de ser eu. Queria ver se ele aguentava viver na minha pele um dia. Aguenta não, é frouxo! Aguentar as pauladas que eu aguento, só sendo Mário Gomes. “Subi num pé de cana pra colher uvas. Chegou o homem das laranjas e disse, solta as goiabas, rapaz!”
Súbito, sua face se transformou, correu e jogou o pacote de biscoitos num moleque que lascara uma salva de palavrórios inapropriados:
— Se manque, eu sou Mário Gomes, você é um otário! — voltando, anunciou:
— Depois eu morro, viro nome de praça ou de rua e o povo vai falar de mim, sem lembrar que eu vivia assim, que nem as calçadas velhas do seu livro...
Despertei da lembrança quando o policial disse para não se preocupar. Iriam soltá-lo na esquina do próximo quarteirão.

Olhei para ele. Apesar do estado debilitado, ainda discursa com o vigor de um anarquista. O povo cearense, naquele momento, o reconhecia e sabia que muitos de nós passaremos, mas ele deverá ser lembrado por mais cinquenta ou cem anos. Mesmo ali, com toda desenvoltura, gritava em seu “trono” improvisado: “A maioria esmagadora da cidade me conhece... sabe quem é Mario Gomes! (...) muitos dos que se dizem artistas, antes me procuravam e hoje fingem que não me veem... A verdade da vida é compreender a loucura do outro!”
Olhei mais de perto e percebi que havia outros presos no camburão: Tostão, Chagas dos Carneiros, Casaca de Urubu, José Levi, Tertuliano, Canoa Doida, Pilombeta, De Rancho, Manezinho do Bispo, Burra Preta e tantos outros. Então, tive a certeza de que o Mário não tinha sido preso, e sim, escolhido para viver a imortalidade que só os doidos alcançam.

O relógio da Coluna da Hora gemeu a breve passagem de seu tempo. 283 anos de Fortaleza e eles ainda estão no meio de nós...
>> Raymundo Netto, um sujeito provavelmente inculto que acha muito difícil fazer poesia e insiste em afirmar que conta nos dedos da mão os poetas cearenses que podem se chamar poetas e que reconhece o Mário Gomes como patrimônio imaterial da cidade de Fortaleza.

Contatos: raymundo.netto@uol.com.br

QUEM É MÁRIO GOMES

>Mário Ferreira Gomes nasceu em Fortaleza em julho de 1947. Antes de assumir-se poeta e boêmio convicto, foi professor do antigo curso de Admissão ao Ginásio, na escola Albanisa Sarasate. Iniciou, sem concluir, o curso de Arte Dramática na Universidade Federal do Ceará. No final da década de 1960 fez parte do Clube dos Poetas Cearenses, agremiação dirigida pelo Carneiro Portela que se reunia na Casa de Juvenal Galeno.

Foi internado diversas vezes e conta suas mirabolantes fugas dos tratamentos com choque elétrico. Tem diversos livros publicados, dentre eles: Lamentos do Ego, Emoção Poética, Terno de Poesia (com Alcides Pinto e Márcio Catunda) e Uma Violenta Orgia Universal (antologia).

PARABÉNS AO JORNAL O POVO...


A página inicial do Jornal o Povo é um primor... Boa iniciativa no momento em que tantos irmãos estão a passar por situação vexatória que é um resultado de vários fatores de ordem política, administrativa e social.
Alertar em relação ao problema é vital e a capa do Jornal foi muito bem bolada...

REPERCUSSÕES DO COMENTÁRIO DE ADÍSIA SÁ

Veja como repercutiu o comentário da Professora Adísia Sá sobre o Rádio Cearense postado no Gente de Mídia.

Marcelo Bloc disse...
A culpa disto são as próprias rádios. Com problemas financeiros, arrendam seus horários e permitem programas de qualidade bem duvidosa. Quem perde com isso são os ouvintes... Lamentável.

7 de Maio de 2009 10:06


tertuliano disse...
Apoiada,professora Adísia.O rádio cearense chegou ao fundo do poço.

7 de Maio de 2009 10:55


LENITIVO disse...
Nonato, acompanho seu fazer profissional desde do tempo que seu programa ainda era vinculado na parte da tarde nesta mesma emissora. E respeito tanto você como o que faz pela comunicação no Ceará. Confesso que fiquei triste quando o vi apresentando, O Barra, mas reconheço o seu esforço para tentar tranformá-lo. Aproveito e deixo uma sugestão: Vamos construir uma rede de blogs e fazermos uma rádio via internet que seja voltada para contrução de um mundo novo, com seres amigos, no dizer de Rubem Braga. No cariri cearense já existe a Rádio Chapada do Araripe e que funciona por meio de uma rede de blogs. Se tiver interesse pode me encontrar no endereço: lenitivocultural.blogspot.com

Ternos abraços poéticos, Razek

7 de Maio de 2009 11:08


Paulo disse...
Até que enfim,uma poderosa voz se levanta sobre a questão.

7 de Maio de 2009 11:28


Anônimo disse...
O João Inácio não gostou! João José

7 de Maio de 2009 13:38


Anônimo disse...
Boa, professora... Pêia nessa cambada de cuspidores de microfones... É cada um pior do que o outro...

7 de Maio de 2009 16:37


Anônimo disse...
O rádio só está servindo para o controle dos políticos donos das emissoras. Sem pagarem salários aos radialistas, os donos "abrem espaço" para os pseudo-profissionais que vivem de extorquir a politicada que sempre tem um rabo de palha para esconder. E algumas vezes os políticos que tem boa vontade e um trabalho razoável são jogados na lama através da língua ferina de radialistas a serviço de grupos dominadores das emissoras ou a seu próprio serviço. Radialistas que se dizem "á serviço do povo" e que na maiorida das vezes está trabalhado o terreno para uma candidatura ou só mesmo para se locupletarem das propinas pagas por esse políticos para que digam que são os deuses. Me sinto envergonhado de ás vezes dizer que sou radialista e ás vezes ficar sem espaço para trabalhar por não me submeter a esse jogo sujo.

7 de Maio de 2009 17:41


Anônimo disse...
Meu ouvido não é pinico!!!
Em alguns programas escutamos uma babação e uma exibição d dá nojo. Eca!
Com o disparate de comentar a bebida q tomou no fim de semana, o q comeu...ai ai!

7 de Maio de 2009 19:25


Anônimo disse...
Concordo plenamente com a professora ADISIA SÁ , Tá uma voz que merece respeito. Tenho certeza o que ela falou tem excessões . Posso enumerar alguns nomes de respeito do Rádio Cearense, não necessariamente pela ordem : Nonato Albuquerque, Tom Barros, Evaristo Nogueira, Tina Holanda, Paulo César Norões, Franklin Rabelo, Carlos Augusto da Verdes Mares, e outros...Esses merecem o meus aplausos, pela conduta ilibada e linguagem limpa do rádio,e como deve ser

Agradecido- Luiz Cardoso Jr.- Maraponga

7 de Maio de 2009 19:55


Anônimo disse...
Será que os donos das emissoras param para ouvir certos locutores de suas próprias radios? Acho que não no dia que Dona Iolanda escutar o João Inácio Júnior ela manda tirar do ar o programa dele. É muita baixaria.

7 de Maio de 2009 21:06


Anônimo disse...
Será que para se ganhar audiência precisa de tanta baixaria no rádio? E até na televisão eles já chegaram.

7 de Maio de 2009 21:09


Anônimo disse...
Há tempos que efetivamos uma luta contra tudo isso e o que ganhamos? Achincalhe, desrespeito e desqualificação de nossa ação. Uma rádio em Fortaleza proibiu a participação dos ouvintes e sugeriu que foi a ASSOCIAÇÃO DE OUVINTES que sugeriu tal ação. Nomos como CID CARVALHO vieram em defesa da emissora e dos programas que incitam violência e utilizam - se do palavrão como audiência... É ou não é o CAOS...( Professor Djacyr - ASSOCIAÇÃO DE OUVINTES DE RÁDIO).

7 de Maio de 2009 22:15


Anônimo disse...
E tem gente que se acha os senhores da manhã,da tarde...esse povo que coloca a música que acha que o povo quer ouvir ou fala o que bem entender!
Palmas para a professora Adísia,quem sabe com isso melhore um pouco as FMS e AMS !!!!!

8 de Maio de 2009 01:09

VEJA ESTA POSTAGEM DO GENTE DE MÍDIA



Nós da AOUVIR já fazemos isso há muitos anos - alertamos, pedimos, imploramos apoio dos que fazem o rádio , infelizmente fizemos pouco mas fizemos não nos omitimos.


Adísia Sá lamenta baixo nível do rádio no CE


A professora Adísia Sá não tem papas na língua. Quando gosta, gosta. Também quando não vai com a cara de alguém/alguma coisa, diz na bucha. Foi o que acabou de fazer ao vivo ao microfone da AM DO POVO-CBN.

No encerramento de seu comentário em nosso programa 'Rádio Serviço', Adísia lamentou o 'baixo nível' do rádio cearense na atualidade.

Ouvinte de rádio - além de ter sido diretora e ombundsman da emissora do grupo O Povo -, a professora Adísia Sá falou dos participantes de programas esportivos: "parece tudo um bando de Ciro Gomes, com linguagem chula".

Ela reiterou que existem bons profissionais atuando, mas em geral há programas com descrição de coisas que não constroem. "Eu não sou puritana, mas estou chocada com o nível do rádio cearense atualmente".

E POR FALAR NISSO

1 - "Apoiada,professora Adísia. O rádio cearense chegou ao fundo do poço. Tertuliano Siqueira
2 - "Até que enfim, uma poderosa voz se levanta sobre a questão. Paulo Roberto"