quarta-feira, 30 de setembro de 2009

REFLEXÃO SOBRE CONCESSÕES DE RADIODIFUSÃO.

CONCESSÕES DE RADIODIFUSÃO
Os vícios da renovação automática

Por Jacson Segundo em 29/9/2009

Reproduzido do Observatório do Direito à Comunicação, 24/9/2009; título original "Comissão nega pedido de audiência para discutir emissora de TV"

Mesmo tendo como atribuição regimental avaliar a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados rejeitou na quarta-feira (23/9) o requerimento que pedia a realização de uma audiência pública para avaliar os serviços prestados pela emissora Rádio e Televisão Bandeirantes de Minas Gerais. De autoria da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), o pedido foi reprovado por 20 parlamentares. Apenas cinco votaram em seu favor. A CCTCI é a principal instância de avaliação de concessão e renovação de outorgas de veículos de comunicação do país.

O único acordo possível na Comissão sobre o tema foi a aprovação de um pedido ao Ministério das Comunicações para que o órgão reúna informações sobre a referida emissora, que está com sua concessão vencida desde 2007. No entanto, essa medida perde força, já que, logo após a discussão sobre o requerimento foi aprovada a renovação da concessão da Band Minas. Decisão esta tomada em menos de um minuto, quando se aprovou, em bloco e sem discussão, outorgas e renovações de 59 emissoras de rádio e TV do país (incluindo educativas e comunitárias). Os processos agora seguem para análise de outras comissões, da Câmara e do Senado.

O requerimento da deputada Erundina não pedia nada mais do que a criação de um espaço de debate para avaliar os 15 anos da última concessão da empresa mineira, que é uma afiliada da Rede Bandeirantes. Constava no pedido, inclusive, o convite aos representantes da Band para participarem da audiência. Ela fez questão de frisar que não se tratava de perseguição ao veículo e sim de um procedimento que pretende repetir em casos que envolvam meios de comunicação de maior porte e penetração na sociedade. "É minha prerrogativa parlamentar. Não entendo a resistência a esse pedido", declarou na reunião da CCTCI, recebendo apoio de manifestantes da sociedade civil que empunhavam uma faixa com os dizeres "Pelo fim da renovação automática das concessões de rádio e TV".

Os deputados que votaram contra a realização da audiência usaram dois argumentos centrais. O primeiro dizia respeito à legitimidade do requerimento. Alguns deles tentaram demonstrar que não existe a previsão legal para se pedir audiências nesses casos. A prerrogativa, porém, é garantida pelo Regimento Interno da Câmara, em seu artigo 255. Ele afirma que cada Comissão poderá realizar audiência pública para instruir matéria legislativa em trâmite, mediante requerimento de seus membros ou a pedido de entidade interessada.

Outra justificativa usada com frequência pelos parlamentares contrários à proposta foi a de que não seria possível realizar audiências para discutir todos os pedidos de renovação que chegam à Comissão. "Se tivermos que mudar o procedimento, vamos mudar para todos", opinou o deputado tucano Julio Semeghini. A deputada Luiza Erundina contra-argumentou defendendo que o método seja usado pelo menos nos casos das emissoras que têm maior impacto na sociedade, o que também está assegurado regimentalmente, pelo Ato Normativo nº1, de 2007.

Protesto

"É um absurdo tentarem barrar regimentalmente, com argumentos indefensáveis, uma audiência pública, que tem como objetivo fazer um balanço do serviço prestado pela emissora. Isso não era para ser um problema. Era para ser natural", critica a integrante do Coletivo Intervozes Carolina Ribeiro. A entidade fez parte da Campanha por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV, realizada em 2007. Mesmo lamentando a decisão da CCTCI, Carolina acredita que o tema está sendo mais discutido no país. E defende: "A gente espera que nas outras concessões que chegarem seja possível fazer um debate real. A sociedade tem o que dizer sobre elas".

Emissoras pertencentes à Record e outorgas dos grupos Bandeirantes (Band e Rede 21) e RBS – também vencidas em 2007 –, entre outras, serão algumas das próximas a passarem pelo Congresso. O governo já acatou o pedido de renovação para suas concessões e deve enviar os processos à Câmara em breve. Elas estão com suas outorgas vencidas desde fevereiro deste ano.

A Comissão Nacional Pró-Conferência também se manifestou contra a atitude dos deputados da CCTCI, que já vinha se desenhando desde a reunião anterior do órgão da Câmara. Em nota assinada por 37 entidades, o fórum lembrou que as emissoras que requerem renovação precisam cumprir requisitos técnicos e normativos estabelecidos pelo Decreto 88.066/83, tais como "(...) não transmitir programas que atentam contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalistico, (...) limitar ao máximo de 25% do horário de sua programação diária o tempo destinado à publicidade comercial", entre outros.

O manifesto também citou o artigo 221 da Constituição Federal, que estabelece que "a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística; IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família". Como os parlamentares não têm permitido sequer a realização de debates sobre a atuação dos concessionários de rádio e TV no Brasil, nada disso tem sido aferido. Nem da Band Minas, nem das tantas outras que estão tendo suas renovações aprovadas em um processo quase automático.

Saiba mais

Votaram contra a realização da Audiência Pública: Beto Mansur (PP/SP), Bilac Pinto (PR/MG), José Rocha (PR/BA), Narcio Rodrigues (PSDB/MG), Paulo Lustosa (PMDB/CE), Ratinho Júnior (PSC/PR), Wladimir Costa (PMDB/PA), Márcio Marinho (PR/BA), Flávio Bezerra (PMDB/CE), Nelson Meurer (PP/PR), Bispo Gê (DEM/SP), Eduardo Gomes (PSDB/TO), Eleuses Paiva (DEM/SP), Emanuel Fernandes (PSDB/SP), Manoel Salviano (PSDB/CE), Solange Amaral (DEM/RJ), Rômulo Gouveia (PSDB/PB). Julio Semeghini (PSDB/SP), Lobbe Neto (PSDB/SP), Edigar Mão Branca (PV/BA).

Votaram a favor da Audiência Pública: Cida Diogo (PT/RJ), Gilmar Machado (PT/MG), Paulo Teixeira (PT/SP), Miro Teixeira (PDT/RJ), Luiza Erundina (PSB/SP).