terça-feira, 2 de novembro de 2010

POR QUE BATEM TANTO NO CONSELHO DE COMUNICAÇÃO?

REGULAÇÃO EM DEBATE
Grande mídia bate forte nos conselhos
Por Ana Rita Marini em 2/11/2010
Reproduzido do e-Fórum nº 320, de 28/10/2010, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação; título original "Com viés eleitoreiro, a grande mídia bate fortemente nos Conselhos de Comunicação"
No Brasil, ainda é proibido discutir a mídia, apesar de alguns avanços obtidos com muita persistência pela atuação de movimentos sociais e entidades de profissionais ligadas ao setor. Prova disso é que desde a aprovação, no último dia 19/10, pela Assembleia Legislativa do Ceará, da criação de um Conselho de Comunicação Social (CCS) para atuar naquele estado, a gritaria dos empresários de veículos de comunicação tem sido geral. O objetivo de tanta repercussão negativa sobre o fato é também eleitoreiro.
A repercussão que a grande mídia traz sobre a criação, no país, dos Conselhos de Comunicação Social, invariavelmente reproduz a voz dos donos dos meios – e ela é sempre a mesma: o ataque à liberdade de imprensa. O jargão, repetido exaustivamente como se fosse "a" verdade, tenta difundir o medo entre a população, como se com um organismo desses o país voltasse ao tempo da censura na ditadura militar. Na verdade, o que esses empresários querem proteger é a liberdade de suas empresas de explorar comercialmente serviços de interesse público como se fossem bens privados, sem estarem submetidos a qualquer tipo de controle social (que nada tem a ver com censura).
A liberdade de manifestação do pensamento é justamente um dos preceitos propostos pelos CCS. Só que isso não é divulgado. Em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, por exemplo, a regulação da comunicação social impõe organismos como estes porque consideram que eles são o caminho para o acesso democrático às concessões públicas – caso das emissoras de rádio e televisão. No Brasil, entretanto, o assunto ainda é tabu e, atualmente, em especial, a mídia vem tratando do tema com uma certa histeria.
Esta "fúria desregulamentadora" que ataca a grande imprensa brasileira neste momento tem dois objetivos, segundo o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, também coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). O primeiro objetivo, partidário e eleitoreiro, era fazer que seu candidato (a presidente do país, José Serra, do PSDB) fosse para o segundo turno – e agora fazer sua performance melhorar. O segundo objetivo, mais a longo prazo, é "demonizar o assunto" para não ter de aplicar as resoluções da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom – realizada em dezembro de 2009, em Brasília). "Este objetivo está embutido nessas ações que a Associação Nacional de Jornais (ANJ) vem fazendo, na gritaria da Folha de S.Paulo e outros", avalia Schröder.
A imprensa, ao invés de bater desesperadamente na questão, deveria fazer o seu papel de informar com isenção – que no contexto atual seria explicar o que poderia ser, quais as atribuições de eventuais instrumentos de participação da sociedade num Conselho de Comunicação. "É preciso compreender que o sistema de comunicação é essencialmente público, que a informação não tem propriedade e deve garantir a maior variedade de vozes e representantes", defende Schröder.
Um novo marco regulatórioO FNDC é a favor da construção democrática de um novo marco regulatório para o setor. Neste sentido, defende o mérito da criação dos Conselhos de Comunicação Social conforme as diretrizes apontadas pela Confecom. "Que tenha a participação do empresariado, dos trabalhadores e da sociedade civil organizada. É um processo no qual estamos muito confiantes, que vem sendo construído com a máxima serenidade, com método", ressalta a cineasta Berenice Mendes, ex-integrante do Conselho de Comunicação Social no Congresso Nacional, membro da coordenação executiva do FNDC. Ela lembra que será realizado em Brasília, em novembro, um seminário internacional sobre os marcos regulatórios de outros países. "Poderemos conhecer como se dá o controle público nos países do primeiro mundo, aonde já estão instituídos, e a partir disso, muito provavelmente na nova legislatura, contribuir para a construção de um projeto de lei que tramite pelo Congresso Nacional, seguindo todas as instâncias legítimas e democráticas que a sociedade brasileira acata e respeita", observa a cineasta.
Se pensarmos ainda do ponto de vista da economia, qualquer outro setor, atualmente, tem a participação dos consumidores, como a telefonia, os organismos de defesa do consumidor. Por que não os serviços prestados em comunicação? A necessidade de um marco regulatório para as comunicações é incontestavelmente reconhecida inclusive pelas empresas de radiodifusão, tendo em vista que elas hoje exercem uma atividade econômica que é regulada por legislações da época da ditadura, quando havia uma economia completamente diferente da que existe hoje no mundo. "Então, para o modelo de negócio existente, essa legislação não é mais adequada", avalia.
A criação dos Conselhos de Comunicação Social foi uma das propostas aprovadas na I Confecom, em dezembro de 2009. Diferentemente do que afirmam algumas matérias veiculadas na grande imprensa, representantes de empresas de rádio, TV e jornal estiveram, sim, presentes na Conferência em Brasília, além das empresas de telecomunicações. Alguns apenas se retiraram porque não admitem discutir o setor.
Para o FNDC, portanto, o debate sobre esses organismos precisa ser feito. De acordo com Schröder, as propostas dos conselhos precisam ser aprimoradas – e os estados têm autonomia para fazer isto. Os conselhos fazem parte de um sistema de peso e contrapeso de fiscalização, controle e debate da mídia que não ocorrem em outros locais. Por isso são indispensáveis, ao contrário do que a mídia está dizendo, para não haver a censura, seja estatal ou privada, que hoje permeia a atividade de produção de conteúdo de comunicação.
Os estados da Bahia, Piauí, Alagoas, Mato Grosso e São Paulo atualmente analisam a implantação de seus conselhos. Outros estados devem começar a se movimentar neste sentido. Um manifesto que já foi assinado por 58 entidades regionais e nacionais circula pelo país em apoio à criação do Conselho de Comunicação Social do Estado do Ceará. Os signatários repudiam "as tentativas de setores conservadores da sociedade de desqualificar a decisão da Assembleia Legislativa do Estado". Leia aqui o documento.

Veja este texto - um questionamento à mídia...se fizessemos o mesmo com o rádio que mente....

Folha: não dá mais pra ler
Escrito por Guilherme Scalzilli   
05-Out-2010
 
Decido cancelar minha assinatura da Folha de São Paulo depois de quinze anos. Hesitei muito, porque ela foi um baluarte jornalístico para minha geração. Ali acompanhei, adolescente, o movimento Diretas-Já. Colecionava encartes, discutia editoriais. Sonhava em fazer parte do quadro de colunistas do jornal. A Folha era bacana, moderna, quase obrigatória.
 
Planejava o divórcio há algum tempo, mas o adiei porque estava curioso para conhecer a reforma gráfica e as mudanças prometidas pelo novo editor-executivo, o jovem e talentoso Sérgio Dávila. Dupla decepção.
 
A questão do design é comodamente subjetiva. Sempre haverá o cinismo "especializado" a bafejar que o objetivo era mesmo esse, qualquer que seja o resultado. E o leitor se acostuma a tudo. Inclusive à mancha horrorosa no alto das capas dos cadernos, ou à tipologia que parece colhida nas Publicações Acme dos desenhos animados. Convenhamos, foram muitos esforços humanos e financeiros para se chegar a resultado tão pífio. A Folha perdeu sua cara. Pior, ficou feia. Mesmo os raros acertos têm ar de cópia ou improviso. O tablóide Esportes remete a similares estrangeiros, como o argentino Olé. As redundantes artes explicativas ocupam espaço injustificável.
 
A reforma editorial trouxe verniz de imparcialidade à cobertura política. Mas o tratamento dispensado aos candidatos presidenciais de 2010 segue tendencioso, para dizer o mínimo. A Folha demonstraria mais respeito pela inteligência dos leitores se deixasse de lado a hipocrisia apartidária, assumindo suas evidentes preferências eleitorais. Assim não precisaria usar subterfúgios rasteiros para disfarçá-las.
 
Eu apurei que a divulgação de factóides sem o devido embasamento é o instrumento ideal para destruir reputações e favorecer projetos obscuros. Profissionais ouvidos no meio enxergam na indiscriminada ocultação de fontes um salvo-conduto para qualquer abuso difamatório.
 
Ao privilegiar diplomados, a Folha assimilou a baixa qualidade da formação universitária em jornalismo. Os equívocos gramaticais e técnicos são abundantes. A recente inserção de análises pontuais remenda mal os defeitos do noticiário, pois tenta impor vaticínios duvidosos de manjados profissionais que inevitavelmente possuem algum interesse nas questões abordadas. Os jargões de release escancaram o pendor publicitário dos cadernos de variedades, que repetem pautas convenientes à indústria do entretenimento (basta ver as matérias sobre canais pagos e leis de incentivo). Salvo honrosas exceções, os juízos estéticos de seus repórteres são risíveis.
 
Mas não existe decadência mais constrangedora que a dos espaços regulares de opinião. Abandonando qualquer ilusão de pluralidade, o jornal transformou-se em vitrine para um conservadorismo provinciano, medíocre e repetitivo.
 
Diante da riqueza de nosso mundo acadêmico, a opção por Demetrio Magnoli, Boris Fausto e Marco Antonio Villa chega a parecer acintosa. Os chiliques elitistas de Danusa Leão, o udenismo de Fernando de Barros e Silva, as interjeições antipetistas de Eliane Cantanhêde ("massa cheirosa", gente?), o neo-reacionarismo de Ferreira Gullar e os venenos de Josias de Souza envergonham a direita esclarecida e republicana que eles talvez julguem representar. Alguém realmente prefere João Pereira Coutinho a Jorge Coli? Luiz Carlos Mendonça de Barros a Paulo Nogueira Batista Jr? Quem faz contraponto ao serrismo de Elio Gaspari? A tolerante ombudsman Suzana Singer?
 
A presunção messiânica e uma lamentável falta de autocrítica impedem os editores de perceber que certas mesquinharias político-eleitorais destroem aos poucos os maiores patrimônios do jornal. Os editoriais são bobinhos, histéricos, esclerosados. As ameaças veladas ao presidente da República ("fique advertido"), em plena efervescência eleitoral, embutem um espírito autoritário e confrontador que só se viu nos piores momentos da história nacional. Nenhuma credibilidade sobrevive à responsabilização do governo federal por acidentes aéreos, à ficha apócrifa de Dilma Rousseff, à apologia da "ditabranda" ou à acusação de que os críticos da imprensa querem censurá-la. Defender tais absurdos em nome da liberdade de expressão não é apenas irresponsável: é ilegítimo e antidemocrático.
 
Talvez isso explique a necessidade de operar reformulações periódicas. Como ensinam as cartilhas publicitárias, o consumo inercial e o apelo das mudanças cosméticas inibem o abandono dos produtos de uso cotidiano. Só que a estratégia também pressupõe a satisfação de certas expectativas. A Folha se distanciou dos interesses de seu público a ponto de perder o mínimo papel utilitário que se espera de um veículo informativo. Ela virou um amontoado de páginas e seções descartáveis.
 
Imagine receber, toda manhã, a visita de alguém que tenta iludi-lo, repetindo bobagens e distorções. Agora imagine que você paga, e caro, para ser tratado como idiota. Demora, mas chega um momento em que o prejuízo deixa de compensar.
 
Guilherme Scalzilli é historiador e escritor.
Blog: http://www.guilhermescalzilli.blogspot.com/