sábado, 14 de janeiro de 2012

uma reflexão importante sobre um sucesso musical.

“Ai se eu te pego”: uma análise comparativa
ESCRITO POR GABRIEL PERISSÉ   
SEXTA, 13 DE JANEIRO DE 2012

Analiso abaixo a letra da canção “Ai se eu te pego”, interpretada por Michel Teló, sucesso nacional e internacional. Na primeira estrofe, temos...

Sábado na balada
A galera começou a dançar
E passou a menina mais linda
Tomei coragem e comecei a falar

Cada verso e cada palavra de Teló nos conduzem a universos paralelos da cultura. O primeiro verso faz menção ao “Porque hoje é sábado”, em que Vinícius de Moraes revê a criação do mundo.

A balada a que se refere Teló alude àquele antigo poema com que se narrava alguma tradição histórica, acompanhado ou não por instrumentos musicais. Ou àquela peça puramente instrumental como cultivavam Chopin, Brahms ou Liszt.

A supracitada galera (“turma”, “amigos”, “gente”) de Teló se equipara ao decassílabo “Vogo em minha galera ao som das harpas”, de um poema de Castro Alves.

Reportando-se de novo ao poetinha Vinícius de Moraes (“Garota de Ipanema”), Teló também contempla a menina linda que passa. E vai além. Em êxtase, tomado pela excitação poética, num ato de coragem extrema, o baladeiro se declara:

Nossa, nossa
Assim você me mata
Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego
Delícia, delícia
Assim você me mata
Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego

A dupla exclamação — “nossa, nossa” — nos remete à admiração de que falava Aristóteles como ponto de partida da reflexão filosófica, ou pode se tratar também de uma forma reduzida da interjeição “Nossa Senhora!”, inserindo o poema no amplo cenário (e não menor mercado) das composições religiosas.

Outra referência inconfundível é o locus poético em que amor e morte se encontram — o clássico “morrer de amor”. O verso “Assim você me mata”, que o cantor faz acompanhar com o abanar da mão em direção ao rosto (simulando morte por asfixia ou enfarte), equipara-se a momentos sublimes da poesia romântica de Gonçalves Dias ou Casimiro de Abreu. Há, entre outros exemplos, um soneto em que Camões, dirigindo-se ao Amor, com ele se queixa: “Que vida me darás se tu me matas?”

Aqui termina o poema de Teló, com uma concisão que lembra Paulo Leminski e Mario Quintana.

Mas parece que os imortais que acima citei não gostaram das comparações feitas aqui. Das suas tumbas erguem-se vozes, cantando em uníssono:

Perissé, Perissé
Assim você nos mata!

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.

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