terça-feira, 1 de novembro de 2011

uma reflexão sobre a imprensa jornalística

LEITURAS DE O POVO

A prefeita articulista

Por Francisco Djacyr Silva de Souza em 31/10/2011 na edição 666
Juro/ exercer a função de jornalista/ assumindo o compromisso/ com a verdade e a informação./ Atuarei dentro dos princípios universais/ de justiça e democracia,/ garantindo principalmente/ o direito do cidadão à informação./ Buscarei o aprimoramento/ das relações humanas e sociais,/ através da crítica e análise da sociedade,/ visando um futuro/ mais digno e mais justo/ para todos os cidadãos brasileiros/ (Juramento do Jornalista, no site www.unic.br)
Todas as terças-feiras, a prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins, escreve artigo com espaço a ela destinado de forma “desinteressada” pelo jornal O Povo, de grande circulação no estado do Ceará. Sem querer entrar no mérito do espaço destinado e reconhecendo que todo cidadão tem direito a se manifestar livremente e ter espaço para dizer o que pensa, acho sinceramente que o jornal deveria ter uma preocupação maior com a verdade dos fatos, pois o que geralmente tem sido escrito no jornal não reflete a realidade geral da cidade, que hoje sofre com educação sem qualidade e comprovadamente deficiente nos exames gerais da educação e várias denúncias de supostos problemas com contas, com uso da Guarda Municipal de forma indevida e com completa transformação dos órgãos públicos em paraíso da terceirização e do domínio de vereadores que ditam as normas das escolas nomeando seus gestores e até funcionários das empresas que prestam serviço à prefeitura. O jornalismo deveria dar direito ao contraditório e, por incrível que pareça, a partir do momento que a prefeita se tornou articulista as críticas à administração passaram a ser boicotadas pelo setor de opinião do referido jornal.
É extremamente difícil ser oposição em um país como o Brasil, onde geralmente os meios de comunicação, em função da verba publicitária, acabam negando sua posição crítica e passam a fazer o jogo dos que estão no poder. É triste ver nossa imprensa rebaixando a cabeça aos que estão temporariamente no poder sem entendimento de que este é efêmero e passa sem que a gente perceba. O jornal O Povo, de tradição de mais de oitenta anos, infelizmente está em mãos erradas, pois os que o dirigem não veem a importância do caráter imparcial da imprensa e muitos que não concordam com o estado de coisas não têm oportunidade de falar o que pensam, pois os setores de ressonância com o povo, como o de opinião, torcem piamente pelos governantes e esquecem os interesses da comunidade. Alguns ainda tentam falar, mas não conseguem, pois o setor de ouvidoria do jornal não é ouvido por seus jornalistas, que até respondem aos reclamantes com escárnio e desprezam o papel do ouvidor, não respeitando a reclamação dos que buscam a verdade dos fatos.
E os interesses dos leitores?
É triste ver a imprensa sem autocrítica e alguns jornalistas se portarem como semideuses que acabam desenvolvendo um noticiário ao seu bel-prazer e seu interesse de classe ou de preferência ideológica sem se preocupar com o que preconiza o Código de Ética do jornalismo. A crítica não é bem aceita no jornal que, em momentos como a greve de professores, tentou colocar a população contra os educadores, que acabaram sendo transformados em baderneiros, invasores e desocupados. Esta mesma mídia não dá espaços para o contraditório, filtra os assuntos e coloca no jornal aquilo que não desagrada os que estão no poder.
A sinceridade, a ética e a construção de valores devem ser ensinados nos cursos de comunicação, mas pouco aprendidas pelos que se formam e no momento da formatura fazem um juramento que às vezes não é colocado em prática no processo de atuação profissional. Vale ressaltar que os próprios jornalistas desconhecem o caráter da luta de classes, a importância da cidadania ativa e os princípios éticos que norteiam a sociedade como um todo. Não podemos admitir que um jornal se torne feudo político da prefeita ou de qualquer outro governante do momento, pois o jornalismo não é feito para isso.
Temos que exigir explicações sobre o que se passa neste suposto interesse da prefeita de Fortaleza em se tornar articulista de uma hora para a outra visto que a mesma sequer compareceu aos encontros de sua classe e pouco se envolveu nas conferências de comunicação como jornalista que é. É preciso que se investigue como são distribuídas as verbas publicitárias para verificar se há alguma relação entre o perfil de articulista da prefeita e o papel do jornal neste momento. Não seríamos loucos de proibir que a prefeita escreva no jornal, mas seria ou não seria ética jornalística que os “pobres mortais” também tivessem espaço para o contraditório? Seria ou não seria justo? Ah, só lembrando, que tal uma Associação para defender os interesses dos leitores?
***
[Francisco Djacyr Silva de Souza é vice-presidente da Associação de Ouvintes de Rádio do Ceará, Fortaleza, CE]

Nenhum comentário: