Que floresçam mil blogs!
Paulo d'Ávila*
A vida nos reserva alguns espetáculos hilariantes. Ela possui uma  dimensão tragicômica muito curiosa.  O já extinto caso conhecido como o  “blog da Petrobrás” é um deles.  O alarido se foi, a empresa recuou, a  imprensa vence mais uma batalha, mas se trata de um fato muito  interessante.
Então a Petrobrás cria um blog no qual apresenta e divulga as  entrevistas feitas com a empresa pelos jornais, “quase em tempo real”,  ou seja, antes da publicação das mesmas após a edição feita pelo jornal.  É o suficiente para provocar um clima de destemperança nas páginas e  jornais televisivos dos grandes grupos que comercializam a venda de  notícias, organizados no país.  O desespero vai desde reclamações  iniciais de propriedade intelectual até acusações de falta de ética (o  que sempre está na moda). Os primeiros argumentos não colam e daí vem  uma proliferação de novos argumentos a fim de conter o ímpeto  “blogueiro” da empresa. É claro que a preocupação é compreensível,  afinal esta atitude não é boa para “os negócios”.
O comércio de jornal fica prejudicado sem o famoso “furo”, ou o  ineditismo.  A garantia dos “negócios”? O código entre entrevistador e  entrevistado: silêncio... eu divulgo você!
O que torna tudo muito divertido é acompanhar o jornal diário. O  jornalista Nelson Motta, que parece uma espécie de porta voz da imprensa  em suas cruzadas cívicas contra os “inimigos do povo”, desavisadamente,  ao que parece, escreve dias antes de “estourar” a notícia do blog da  Petrobrás:
“Pena que os velhos anarquistas mais libertários não viveram para ver  um instrumento tão livre, poderoso e igualitário como a internet, que  justamente por isso é tão temida pelas tiranias de esquerda e de  direita. Cada vez mais acessível a mais gente, ela nivela e aproxima, dá  voz e imagem a todos e a qualquer um, é um espaço de liberdade e  independência (...)  Enquanto isso, em Brasília, anuncia-se mais um  ‘fórum’ para tentar encontrar instrumentos para instituir controles e  limitações á imprensa. (...) Mas com lan hauses se espalhando pela  cidade e computadores cada vez mais baratos (...) como é que eles vão  fazer o “controle social” de 65 milhões de brasileiros on-line? Estão  atrasados, mais uma vez”. (O Globo, 05/06/09)
Pois é, não fosse algo trágico seria cômico. Certos ditos são  realmente precisos como o que diz que “pimenta nos olhos dos outros é  refresco”. Aliás, um outro dito muito difundido é o que diz que o “órgão  mais sensível de nosso corpo é o bolso”. Ao que parece valores e  princípios são importantes e devem ser defendidos até que atrapalhem o  meu bolso. Assim foi, por exemplo, com banqueiros brasileiros defensores  do livre comércio, mas ciosos de seus negócios, contrários á abertura  dos mercados aos bancos estrangeiros em igualdade de condições.  Aconteceu também com as empresas de automóveis norte americanas,  defensoras das liberdades comerciais, porém desejosas de medidas  protecionistas contra os concorrentes japoneses. Há inúmeros exemplos  deste tipo de comportamento, mas não é necessário ir muito longe, a  crise econômica recente já nos mostrou os limites discursivos das  liberdades diante dos negócios.
De forma parecida, vem agora o grande jornal defender o seu negócio à  custa do controle sobre a veiculação de informação. O que está sendo  dito é que não é possível certa liberdade de expressão, pois isto  atrapalha “os negócios”. 
Como não dá pra convencer ninguém de que isto é ilegal, pois não é,  apela-se á um código de honra á fim de proteger o “nosso negócio”. Há  sempre um especialista em ética disposto a prestar este papel, de gosto  duvidoso, de pontificar o que é e o que não é ético. Recorre-se a um  código de conduta interpessoal, á margem da lei, justificado pelo  discurso do especialista, para pressionar o comportamento desviante que  atrapalha o “nosso negócio”. 
O especialista sugere quê o blog é um “terrorismo de estado”. Neste tom  estratosférico poderíamos dizer que a contra partida do oligopólio é uma  ação “mafiosa” para proteger “as nossas coisas”, “nosso negócio”,  acuando o comportamento que desrespeita o código. Nós divulgamos você!  Seria hilário, não fosse trágico. O mundo dos interesses, ainda que  legítimos, quando posto as claras, pode nos proporcionar deliciosas  anedotas, sobretudo quando vem embrulhado em supostos princípios éticos.
Não se trata de um problema de falta de ética. O jogo do livre mercado  tem destas coisas. A tecnologia vai tornado antigos negócios obsoletos,  como discuti Adriana Meirelles Kevil, estudiosa da chamada social midia:
“(...) Essa e uma das razoes pelas quais os jornais, como os  conhecemos, estão fadados a desaparecer. Então... quem matou o jornal?  (Sim, ele esta morto, especialmente se você tem menos de 30 anos!). Um  modelo de negócios antiquado: criado há mais de 150 anos para sustentar  um método de entrega que agora se prova ineficiente. Um enorme grupo de  empregados que cria o conteúdo, faz o layout, imprime em papel e  distribui em tempo marcado. Para justificar os preços dos anúncios, os  jornais têm que manter uma alta circulação e uma lista de assinantes  significativa. Esse modelo funcionou enquanto não havia outro meio para  as empresas atingirem os consumidores em determinados lugares.  Demonstram a inabilidade de reagir a uma realidade que eles viram se  desenvolver porem rotularam como inimaginável (...)”  (Kevill,  30/06/2009)
Cabe ao comerciante mudar o seu negócio ao invés de tentar realizar  pressão social para enquadrar comportamentos.  Quando um código de  conduta só se sustenta mediante apelo a recursos de controle ou  regulação extra-mercado ou por pressão moralista, pode ser sinal de que  ele está caduco.  O código está ficando ultrapassado.
O mundo está mudando e os donos, os controladores, do “negócio” não  querem reconhecer isto e os seus especialistas não estão entendendo o  que está acontecendo. A diversificação, disseminação, descentralização e  para os mais otimistas a democratização “dos mídias” contrariam a  condução oligopólica das organizações que conduzem os “negócios” da  venda de jornais. Alguns entre nós ainda tem o hábito de sujar as mãos  de tinta de manhã, manuseando nosso papel jornal, outros diante da TV.  As novas gerações se informam on-line, na referida como “libertária”  internet. Alguém acha que deve ter regulação pra isso?
O que está acontecendo é retratado, também, de modo notável por uma  auto intitulada “blogueira”. Em uma breve pesquisa que me vi forçado a  empreender encontrei a seguinte passagem:
“(...) Aiiiiiiiiiiiiii, não! Você ainda está preso naquela ladainha de  quem é quem na blogosfera????????? Se ainda está nessa, sorry, precisa  ler muito para entender a diversidade dos blogs. Eles são tudo e,  inclusive, podem ter o mesmo papel que os articulistas do velho  jornalzão tem há séculos como podem ser apenas mais um  blog/comercial/monetizado que vive de promoções e post pago. (...) Pega  mal. É feio e, de novo, faz parte de quem tem cultura de discriminar  quem é quem…(...)  Fui!”http://midiasocial.wordpress.com/2009/03/18/como-se-relaciona-com-blogueiros-jornalistas-egos-e-vaidades.  Março 18, 2009
A idéia é ótima. Eu gostei e acho que vou adotar, já li tanta  barbaridade sobre coisas que dizemos que esta pode ser uma boa  alternativa. Se todos formarmos um blog próprio, podemos publicar na  integra as entrevistas, assim o leitor, preocupação primeira de um  veículo, que é informar, poderá cotejar a interpretação do jornalista  com a integra e formar seu próprio juízo, interessante não? Mas ai não  vale? Há coisas curiosas.
Concordo que não há democracia sem liberdade de imprensa. Reconheço o  argumento que sustenta os problemas em se instituir regulação do  mercado editorial. O pacote democrático, porém, vem junto com direitos  humanos, amplo direito de defesa e liberdade de expressão (entre os  quais, criar blogs), além de tantos outros saudáveis dispositivos de um  estado de direito democrático.
Mas você acha que a tragicomédia acabou? Não, ainda temos mais uma  pérola. Um jornalista, por dever de ofício, afinal os chefes estão  preocupados com os “negócios”, pergunta a um outro especialista: “E se a  Petrobrás manipular o blog?”. Não é sério não é mesmo? É, no mínimo,  risível. E você reclamando da vida. Ora viver pode ser muito divertido!  Manipulação? Alguém leu entrevistas com algum intelectual ou  especialista ou figura pública, alem é claro do presidente da Petrobrás  defendendo o blog? Pois é, eu também não. Esta conversa de manipulação é  das mais tediosas. Alguém acha que deve haver regulação sobre isso?
Convenhamos, manipuladores somos todos nós. Todos nós mobilizamos  intencionalmente códigos sociais para fazer com que nosso ponto de vista  seja reconhecido e aceito pelos outros.  Por que motivos isto deveria  ser monopólio de um grande jornal? Nosso problema não é de manipulação  da informação, mas de concentração desta atividade nas mãos de poucos.  Poder-se-ia argumentar, no entanto: mas e a qualidade das informações  veiculadas na internet, seria confiável? Há outro dito que diz que “se  você soubesse como são feitas as salsichas e os jornais, não os  consumiria”. Que floresçam mil blogs!
Publicado em 3/7/2009.
Fonte; www. ibase.br