sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

QUESTIONANDO A TECNOLOGIA

Pesquisadora coloca em xeque os benefícios do desenvolvimento tecnológico Respeitada estudiosa da influência da tecnologia na sociedade, a professora do MIT Sherry Turkle lança livro em que mostra reviravolta na avaliação sobre a ligação homem/máquina. Antes otimista, ela agora vê graves consequências nas relações humanas
Carolina Vicentin
Publicação: 14/02/2011 09:16 Atualização: 14/02/2011 22:16

As novas gerações passam várias horas por dia conectados: tecnologia sedutora (Vivek Prakash/Reuters)
As novas gerações passam várias horas por dia conectados: tecnologia sedutora
O boom dos smartphones e das redes sociais fez surgir nas rodas de amigos e em reuniões de família a figura do sujeito que não desgruda da tecnologia. Não importa onde a pessoa esteja, lá está ela com seu fiel companheiro, normalmente relatando tudo o que ocorre ao redor. O maravilhoso mundo da internet, porém, começa a ser questionado por médicos, sociólogos, psicólogos e uma série de outros especialistas, preocupados com o resultado de tamanha conectividade. Há gente dizendo, inclusive, que as ferramentas de última geração estão deixando as relações menos humanas.

Uma das principais pesquisadoras da área, a norte-americana Sherry Turkle, professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), acaba de lançar um livro colocando em xeque os benefícios do desenvolvimento tecnológico. Alone together (ainda sem tradução para o português) é, como a própria autora diz, uma espécie de mea-culpa sobre o que Sherry havia dito até então acerca do assunto. “Ela foi uma das primeiras psicólogas a falar sobre a influência dos computadores, ainda na década de 1990. Sherry era bem otimista, acreditava em algo conhecido como self digital, a identidade das pessoas na era da comunicação digital”, conta o psicólogo Alessandro Vieira, analista do comportamento.

Sherry justifica sua mudança de postura em relação ao assunto a partir das funções que foram sendo incorporadas às máquinas. “No começo, não havia muitas ideias sobre como nós manteríamos os computadores ocupados. Agora, no entanto, sabemos que, uma vez que eles nos conectam à rede, são eles que nos mantêm muito, muito ocupados”, diz a especialista. A professora do MIT, que estuda a influência da tecnologia na sociedade há 30 anos, acredita que há problemas graves na relação homem/máquina.

O primeiro diz respeito à possibilidade de criação de uma vida virtual, com a constituição de verdadeiros avatares no mundo on-line. “A tecnologia é sedutora, atende às nossas vulnerabilidades humanas. A conectividade oferece a ilusão de companhia sem as exigências da amizade”, constata a pesquisadora. Um dos principais indicativos desse cenário, diz Sherry, é a preferência de muitas pessoas pela linguagem escrita em detrimento da fala.

“A internet me deixa muito mais à vontade, eu consigo achar as palavras certas quando escrevo. Cara a cara, a gente só pensa rápido e fala. Na web, a gente pensa, escreve, corrige e envia, fica mais fácil”, diz a estudante Marcelle Christino, 19 anos, uma amante convicta da vida virtual — ela só topou fazer a entrevista via Gtalk. “Essa professora deve estar certa, eu tenho pavor de telefone e de relações presenciais”, confessa a garota. Marcelle, que mantém perfis em oito redes sociais, conta que nem sempre foi assim. Quando ela descobriu as facilidades da rede, contudo, logo passou a preferir esse jeito de se relacionar com o mundo.

Quase teatral
Para Sherry Turkle, os jovens estão sempre tentando compor suas mensagens instantâneas, em um processo quase que performático. O mesmo tem ocorrido com adultos, que estão preferindo os teclados em vez da voz, tanto nas relações pessoais quanto nas profissionais. “Nós usamos as tecnologias para derrubar o contato humano. As pessoas se sentem confortáveis por estar em contato com um monte de gente de quem elas também mantêm distância”, diz.

Todo esse cenário, afirma a pesquisadora, gera uma espécie de dependência e uma ansiedade quando o usuário está longe da web. O estudante Rafael Barroso, 23 anos, conhece o “vício”. Com o smartphone em mãos, o aparelho vibra sempre que ele recebe uma nova mensagem — no e-mail, no Twitter ou no Facebook. “Já ocorreu de a minha namorada mandar uma DM (direct message) no Twitter porque não estava conseguindo contato comigo”, conta o rapaz. “Em outra ocasião, fui a uma festa sozinho e passei a noite inteira tuitando o que estava acontecendo”, lembra.

No caso da estudante Marcelle Christino, o hábito não ficou só na brincadeira. A jovem já deixou de sair com quem gostava para ficar na internet e terminou com um namorado porque se apaixonou por alguém que conheceu pela rede. “Eu sou chamada de antissocial por muita gente. Tenho dificuldade para fazer novas amizades, falta coragem para fazer perguntas ao professor na sala de aula”, conta. “Mas estou trabalhando isso, tentando ser mais comunicativa e deixando as redes sociais um pouco de lado”, garante.

Desde o berço

Ao contrário do que possa parecer, costumes como o de Marcelle podem ser altamente influenciados pela família. Sherry Turkle afirma que o primeiro erro dos pais é deixar as crianças sob os cuidados de máquinas, como as babás eletrônicas, tão populares nos Estados Unidos. “O desenvolvimento saudável de uma criança depende de ela ser exposta a toda gama de expressões humanas e inflexões vocais possíveis. Nada disso está disponível em um robô”, alerta.

Outro problema, destaca a psicóloga norte-americana, é a chamada cultura da distração. “Os adolescentes lembram que seus pais estavam usando telefones celulares quando eram crianças. Agora, esses mesmos pais escrevem em cima da mesa de jantar, sem tirar os olhos de seus BlackBerries”, ressalta. “A partir do momento em que esta geração conheceu a tecnologia, surgiu a concorrência.”

É claro que o quadro revelado por Sherry diz respeito à realidade dos Estados Unidos. Lá, a inovação tecnológica começa com os pais, ao contrário do que ocorre aqui, onde os adolescentes ainda são os precursores. O psicólogo Alessandro Vieira alerta, no entanto, que o problema em terras tupiniquins pode ser até mais sério. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que o brasileiro é um dos povos que mais fica conectado à web. “O problema é que muitos internautas permanecem na rede durante seu tempo livre, como se essa fosse a única fonte de divertimento. Isso não ocorre em outros países, por mais desenvolvidos que eles sejam”, ressalta.

Ascensão de estrela

Se houve uma classe de aparelhos que fez sucesso em 2010, foram os smartphones. Dados da Strategy Analytics mostram que foram comercializadas 239 milhões de unidades de celulares inteligentes, um número 94% maior do que o registrado no ano anterior. Nokia, Research in Motion (Rim, fabricante do BlackBerry) e Apple levaram a melhor, respondendo por 67% das vendas.

A difícil vida real
Um estudo realizado em 25 países europeus mostrou que parte dos adolescentes considera mais complicado viver no mundo real do que no virtual. Foram ouvidos mais de 25 jovens entre 11 e 16 anos. Um em cada oito acha que é mais fácil se expressar em frente à tela do computador. A pesquisa foi realizada pelo EU Kids on Line, laboratório de estudos comportamentais da Inglaterra.
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