Os velhos
radialistas e seus novos sonhos
J Pimentel em 23/07/213
Quando o médico me informou que o tumor de meu rim direito
beirava 10 centímetros, eu desapareci na cadeira, à sua frente. Num único
minuto, senti toda minha vida desaparecer, meus sonhos definharem e minha
esperança diminuir.
Quem já viveu momentos assim, sabe o que quero dizer.
Repentinamente você sente que sua vida chega ao fim e remete seus pensamentos a
tudo o que já viveu e gostaria ainda de viver.
Passado o primeiro e duro impacto, você começa a
cuidar do mal que lhe afeta, sem a certeza de que tudo poderá dar certo e
voltar ao normal.
Até aqui, eu era um ser imbatível, que nunca
envelheceria, um super-homem na minha imaginação e na imaginação de todos os
que me ouvem, ou puderam ouvir todas as coisas que criei através dos anos.
Quando recebi a noticia de meu médico e amigo, Dr.
João Batista, a primeira coisa que me veio à cabeça, não foi os filhos ou
netos, mas a possibilidade de nunca mais poder trabalhar em rádio. Se for
assim, não valeria a pena viver mesmo.
Pode parecer tolice, mas desde que meu pai comprou
nosso primeiro rádio, em 1951, eu sabia o que queria ser: radialista. A partir
de então, tudo na minha vida foi feito em função do rádio, onde comecei aos 17
anos e agora, depois de 50 anos de profissão, ainda me sentia um principiante,
com as mesmas emoções e paixões dos primeiros dias. Radialismo é um sacerdócio.
Não tem como mudar isso.
Vivi os momentos gloriosos do rádio AM, fui um dos
pioneiros em FM, criei dezenas de programas e trabalhei com profissionais
magníficos e, graças ao rádio, viajei boa parte do mundo, sempre nessa incrível
profissão.
O rádio mudou, as tecnologias evoluíram, as
possibilidades se tornaram infinitas, mas o espírito do rádio continua intacto,
me permitindo viver cada dia buscando novidades, atualizações, a renovação das
ideias e conteúdos. Isso me manteve sempre jovem, sempre dentro do meu meio
como um adolescente aprendendo coisas todos os dias.
Mas a realidade do tempo é ingrata com seus filhos
mais velhos, que precisam abrir espaço aos mais jovens e ouvir nas veladas
conversas que nos perdemos no tempo e vivemos de saudade.
Até meu ultimo trabalho, há pouco mais de um ano, pude
comprovar que continuo um garotão nas minhas ideias e um especialista
experiente na minha profissão.
Num país, onde a idade é passaporte para o desemprego,
acabei recorrendo à aposentadoria, que não cobre meu plano de saúde, o que
exige de mim continuar trabalhando para sobreviver. Isso não é dramático. É
maravilhoso poder continuar trabalhando, sendo útil, continuar produzindo
ideias e executando-as. Mas não tem mais espaço para nós.
Relembro aqui alguns grandes nomes do rádio, gênios
criativos, que produziram as melhores coisas que o rádio moderno já criou e que
receberam uma nota de 10 linhas no caderno de variedades dos jornais depois de
partirem desta vida, como Hélio Ribeiro, Alexandre Kadunk, ou Jair Brito, para
citar alguns apenas.
Claro que alguns radialistas se deram bem, ganharam
muito e se prepararam para o ocaso com dignidade. Mas muitos só viveram o rádio
como paixão e não como negócio, porque nunca imaginaram que iriam envelhecer,
porque o rádio provoca essa distorção nas mentes sonhadoras. Somos artistas,
irresponsáveis, ciganos, românticos.
Recentemente escrevi ao Ministério das Comunicações
pedindo que nos concedesse, através de cooperativas profissionais, alguns
canais de rádio somente para dar oportunidade a esses velhos gênios que ainda
sobrevivem, para dividir com novos radialistas toda a experiência adquirida,
com o objetivo de melhorar o rádio que está por vir. Não recebi qualquer
resposta.
Enquanto não parto desta para a melhor, sempre
pergunto: “O QUE SERÁ DE NÓS?”.
Não queremos apenas respeito e reconhecimento, mas
oportunidade também de poder trabalhar e continuar contribuindo para que o
rádio, e todas as suas novas possibilidades tenham as velhas virtudes do
encantamento, da credibilidade, da magia de sonhar.
Fonte: www.carosouvintes.org.br
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