O RÁDIO NO BRASIL: 90 ANOS 28/07/2012
O conteúdo faz o veículo
Magaly Prado, autora de História do rádio no Brasil , defende o poder de transformação do veículo, que deixou de ser um aparelho de transmissão para virar um tipo de conteúdo
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A jornalista Magaly Prado é uma apaixonada por rádio. Mais uma no exército de viciados, termo que ela mesma gosta de usar. “Comecei trabalhando no rádio, nos anos 80. Em 90, fui escrever sobre rádio na imprensa. Nos anos 2000, passei a dar aulas sobre rádio e a estudá-lo cientificamente”, explica. Foi a paixão que a motivou a empreender um trabalho hercúleo, o livro História do rádio no Brasil, lançado pela editora Livros de Safra em comemoração ao aniversário de 90 anos do mais íntimo, fiel e mutante veículo de comunicação.
Por telefone, Magaly – que já trabalha no segundo volume do livro -, conversou com o Vida & Arte Cultura sobre a dinamização incrível permitida pelos audiocasts - nome que ela prefere usar no lugar de podcast – e sobre as novas configurações permitidas com o avanço tecnológico. Hoje, ela defende, rádio não tem a ver com o aparelho de transmissão e sim com forma e conteúdo. (Mariana Toniatti)
O POVO - Por que o rádio é tão querido pelos brasileiros?
Magaly Prado - Você liga o rádio e ele fica ali, fazendo companhia. Muitos comunicadores aproveitam esse mote para ter uma fala que é próxima a uma conversa. Mesmo nas rádios jornalísticas, cada vez mais vemos esse tom. Entre uma informação e outra, tem opinião. Faz parte do jogo do rádio se envolver com o que se está dizendo. Não foi sempre assim. Principalmente no jornalismo, a tendência era que o comunicador fosse meio sem personalidade, mas aos poucos a linguagem foi mudando para aproveitar essa sensação de companhia que o rádio proporciona.
OP – O rádio sempre foi mais interativo?
Magaly – É da natureza dele. O jornal (impresso) tem um espaço de cartas do leitor. No rádio, o ouvinte entra ao vivo por telefone em vários horários. Hoje, todos os veículos têm a chance de abrir para interação por e-mail, aí o rádio avançou junto. Várias emissoras têm chats abertos, o ouvinte discute, não só sugere ou reclama, mas é co-produtor.
OP – No Brasil, o rádio começa elitista. Poucas pessoas tinham o equipamento e era preciso pagar para ouvir a programação. A virada vem com a permissão de publicidade? Que programação tornou o rádio tão popular a partir dos anos 40, 50?
Magaly - O fato de a publicidade ter entrado nos anos 30 aumentou a possibilidade das emissoras terem mais ouvintes. Abriu o rádio para todo mundo, não precisava mais ser pago. Saiu da esfera da sociedade, das rádios-clubes. Com a publicidade, ele vira um veículo gratuito, mas não bastaria se não houvesse uma programação interessante. A ficção, que existia apenas nos livros, ganha força no rádio, isso num período em que não existia televisão. Nasce a rádio-novela. Quem não lia porque era analfabeto, não tinha tempo, ficava o dia inteiro na roça, começa a acompanhar as histórias ouvindo.
OP – E a música? Nessa época, a relação da indústria fonográfica com a rádio era muito próxima, não?
Magaly –A música entra muito forte também com os programas de auditório em paralelo à rádio-dramaturgia. A música era divulgada nas rádios, os cantores tinham necessidade de ter acesso para serem ouvidos. O rádio começa musical, mas era uma coisa de elite: óperas, música clássica. Aos poucos a música popular foi entrando, foram entrando cantores célebres, e a música passou a ocupar um espaço grande na programação. Ficou assim até hoje. Mas a ligação entre as gravadoras e as rádios teve o auge quando surgiu a FM, mais pra frente, nos anos 70. Ganhou força porque teve uma melhora na qualidade técnica do som, porque já tinha uma indústria fonográfica consolidada e não existiam outros meios de divulgação de artistas. O rádio alavanca a indústria da música e se alimenta dela.
OP – Em 90 anos, o rádio mudou muito. Teve a morte anunciada com a vinda da TV e, mais recentemente, uma revolução provocada pelo MP3. Que mudanças de linguagem e posicionamento essas viradas provocaram?
Magaly - Tudo muda. Quando começa a televisão, o rádio perde força à noite, mas de dia continua e reforça seu caráter de utilidade pública e os noticiários. Nos anos 80, com a qualidade do som das FMs, a música volta a ganhar muita força, mas nos anos 90 parte do público começa a entrar na internet para procurar músicas, ouvir as webradios. Com o tempo, não é mais preciso estar na internet, basta ter um player, não precisa estar numa determinada página, nem no computador. Basta um iphone, um celular. Aí, nesse bolo, tem vários formatos de rádio, desde o rádio que é no dial e tem uma página para ser ouvida na internet até a página que tem um botão para ouvir ao vivo algum conteúdo como complemento.
OP –E tudo isso pode ser entendido como rádio?
Magaly – Tem aqueles programas que são rádios entre aspas. Você monta sua rádio e deixa o site rastrear sua máquina. Seleciona dez músicas e no dia seguinte tem recomendações de músicas feitas a partir dessas dez. É uma tentativa de chegar próximo do rádio com esse elemento surpresa, mas por mais que você acrescente novas músicas e o programa embaralhe a ordem delas, não tem nenhuma novidade. É mais interessante quando você está dentro de uma rede social, tem a audição coletiva, vê o que os amigos ouviram, comenta.
OP -E o podcast também é uma forma de fazer rádio?
Magaly - Paralelo ao crescimento das rádios na internet, surgiu, em 2004, o podcast. É um programa que pode ser de duas horas ou dois minutos. Prefiro chamar de audiocast, não precisa estar atrelado a uma marca. Pod não tem a ver com ipod, mas muita gente acaba relacionando os nomes. Então, o audiocast é um programa de qualquer tamanho que você “pendura” na rede, pode baixar ou pode ouvir em streaming. É um programa à disposição para ser ouvido quantas vezes você quiser em qualquer lugar.
OP – É uma revolução?
Magaly -É e não é. Qualquer um pode fazer uma rádio. Monto um site, tenho uma coleção fonográfica, um assunto que domino, posso ter um chat aberto, posso até receber doações por aquele programa. No Brasil, não tem uma cultura forte de doações, mas no resto do mundo o audiocast trabalha direto assim. Falo sobre surf, toco surf music e tenho aquele micropúblico que gosta – a famosa cauda longa - e me dá cinco dólares por mês para ter acesso ao conteúdo. Os audiocasts podem servir para agregar conteúdo, podem estar num portal de noticias, num site sobre qualquer assunto, como um conteúdo extra para ser ouvido. É fácil, qualquer um pode fazer. A logística é muito menor que com um vídeo. Se levar por esse lado é revolucionário sim, é democrático. Posso fazer um audiocast punk, falar de hacker ativismo, é a hiper segmentação.
OP –Nesse contexto, qual o futuro do rádio? Como ele vai chegar ao centenário?
Magaly –Até por conta do trânsito, ele vem ganhando audiência nas cidades grandes. Outra coisa é que o celular está no bolso de todo mundo. Antes estava todo mundo com um fone no metrô e no ônibus, ouvindo músicas que baixou. O pessoal continua com fones, baixando música, mas estão ouvindo também uma rádio de notícias. Como tem várias, a concorrência é grande, o conteúdo tem que ficar melhor. O rádio não está parado. Agora, falar do futuro é muito difícil. Não sei se o Brasil vai adotar o padrão digital, está demorando demais. O rádio no Brasil está o tempo todo se recriando, mas vai ter sim o que comemorar no centenário.
O POVO - Por que o rádio é tão querido pelos brasileiros?
Magaly Prado - Você liga o rádio e ele fica ali, fazendo companhia. Muitos comunicadores aproveitam esse mote para ter uma fala que é próxima a uma conversa. Mesmo nas rádios jornalísticas, cada vez mais vemos esse tom. Entre uma informação e outra, tem opinião. Faz parte do jogo do rádio se envolver com o que se está dizendo. Não foi sempre assim. Principalmente no jornalismo, a tendência era que o comunicador fosse meio sem personalidade, mas aos poucos a linguagem foi mudando para aproveitar essa sensação de companhia que o rádio proporciona.
OP – O rádio sempre foi mais interativo?
Magaly – É da natureza dele. O jornal (impresso) tem um espaço de cartas do leitor. No rádio, o ouvinte entra ao vivo por telefone em vários horários. Hoje, todos os veículos têm a chance de abrir para interação por e-mail, aí o rádio avançou junto. Várias emissoras têm chats abertos, o ouvinte discute, não só sugere ou reclama, mas é co-produtor.
OP – No Brasil, o rádio começa elitista. Poucas pessoas tinham o equipamento e era preciso pagar para ouvir a programação. A virada vem com a permissão de publicidade? Que programação tornou o rádio tão popular a partir dos anos 40, 50?
Magaly - O fato de a publicidade ter entrado nos anos 30 aumentou a possibilidade das emissoras terem mais ouvintes. Abriu o rádio para todo mundo, não precisava mais ser pago. Saiu da esfera da sociedade, das rádios-clubes. Com a publicidade, ele vira um veículo gratuito, mas não bastaria se não houvesse uma programação interessante. A ficção, que existia apenas nos livros, ganha força no rádio, isso num período em que não existia televisão. Nasce a rádio-novela. Quem não lia porque era analfabeto, não tinha tempo, ficava o dia inteiro na roça, começa a acompanhar as histórias ouvindo.
OP – E a música? Nessa época, a relação da indústria fonográfica com a rádio era muito próxima, não?
Magaly –A música entra muito forte também com os programas de auditório em paralelo à rádio-dramaturgia. A música era divulgada nas rádios, os cantores tinham necessidade de ter acesso para serem ouvidos. O rádio começa musical, mas era uma coisa de elite: óperas, música clássica. Aos poucos a música popular foi entrando, foram entrando cantores célebres, e a música passou a ocupar um espaço grande na programação. Ficou assim até hoje. Mas a ligação entre as gravadoras e as rádios teve o auge quando surgiu a FM, mais pra frente, nos anos 70. Ganhou força porque teve uma melhora na qualidade técnica do som, porque já tinha uma indústria fonográfica consolidada e não existiam outros meios de divulgação de artistas. O rádio alavanca a indústria da música e se alimenta dela.
OP – Em 90 anos, o rádio mudou muito. Teve a morte anunciada com a vinda da TV e, mais recentemente, uma revolução provocada pelo MP3. Que mudanças de linguagem e posicionamento essas viradas provocaram?
Magaly - Tudo muda. Quando começa a televisão, o rádio perde força à noite, mas de dia continua e reforça seu caráter de utilidade pública e os noticiários. Nos anos 80, com a qualidade do som das FMs, a música volta a ganhar muita força, mas nos anos 90 parte do público começa a entrar na internet para procurar músicas, ouvir as webradios. Com o tempo, não é mais preciso estar na internet, basta ter um player, não precisa estar numa determinada página, nem no computador. Basta um iphone, um celular. Aí, nesse bolo, tem vários formatos de rádio, desde o rádio que é no dial e tem uma página para ser ouvida na internet até a página que tem um botão para ouvir ao vivo algum conteúdo como complemento.
OP –E tudo isso pode ser entendido como rádio?
Magaly – Tem aqueles programas que são rádios entre aspas. Você monta sua rádio e deixa o site rastrear sua máquina. Seleciona dez músicas e no dia seguinte tem recomendações de músicas feitas a partir dessas dez. É uma tentativa de chegar próximo do rádio com esse elemento surpresa, mas por mais que você acrescente novas músicas e o programa embaralhe a ordem delas, não tem nenhuma novidade. É mais interessante quando você está dentro de uma rede social, tem a audição coletiva, vê o que os amigos ouviram, comenta.
OP -E o podcast também é uma forma de fazer rádio?
Magaly - Paralelo ao crescimento das rádios na internet, surgiu, em 2004, o podcast. É um programa que pode ser de duas horas ou dois minutos. Prefiro chamar de audiocast, não precisa estar atrelado a uma marca. Pod não tem a ver com ipod, mas muita gente acaba relacionando os nomes. Então, o audiocast é um programa de qualquer tamanho que você “pendura” na rede, pode baixar ou pode ouvir em streaming. É um programa à disposição para ser ouvido quantas vezes você quiser em qualquer lugar.
OP – É uma revolução?
Magaly -É e não é. Qualquer um pode fazer uma rádio. Monto um site, tenho uma coleção fonográfica, um assunto que domino, posso ter um chat aberto, posso até receber doações por aquele programa. No Brasil, não tem uma cultura forte de doações, mas no resto do mundo o audiocast trabalha direto assim. Falo sobre surf, toco surf music e tenho aquele micropúblico que gosta – a famosa cauda longa - e me dá cinco dólares por mês para ter acesso ao conteúdo. Os audiocasts podem servir para agregar conteúdo, podem estar num portal de noticias, num site sobre qualquer assunto, como um conteúdo extra para ser ouvido. É fácil, qualquer um pode fazer. A logística é muito menor que com um vídeo. Se levar por esse lado é revolucionário sim, é democrático. Posso fazer um audiocast punk, falar de hacker ativismo, é a hiper segmentação.
OP –Nesse contexto, qual o futuro do rádio? Como ele vai chegar ao centenário?
Magaly –Até por conta do trânsito, ele vem ganhando audiência nas cidades grandes. Outra coisa é que o celular está no bolso de todo mundo. Antes estava todo mundo com um fone no metrô e no ônibus, ouvindo músicas que baixou. O pessoal continua com fones, baixando música, mas estão ouvindo também uma rádio de notícias. Como tem várias, a concorrência é grande, o conteúdo tem que ficar melhor. O rádio não está parado. Agora, falar do futuro é muito difícil. Não sei se o Brasil vai adotar o padrão digital, está demorando demais. O rádio no Brasil está o tempo todo se recriando, mas vai ter sim o que comemorar no centenário.
Saiba mais
A nuvem: É o nome que se dá ao sistema de armazenamento online de arquivos feito a partir de servidores compartilhados por meio da internet. O serviço permite que o usuário acesse dados de qualquer lugar do mundo, a qualquer hora, sem precisar instalar um programa nem ocupar espaço no seu computador baixando aquele arquivo.
Streaming: É um tipo de mídia que permite acessar um arquivo de áudio na nuvem.
Teoria da cauda longa: A maior mudança provocada pela internet foi a hiper segmentação da audiência. Com tanta gente produzindo conteúdo, a especificidade dos blogs, sites e audiocasts distribuiu a audiência. Não há mais concentração de público. O desenho de uma cauda longa, sem picos, representa esse novo perfil.
Rádio digital: Desde 2007, se discute a implantação da rádio com sinal digital no Brasil, um dos poucos países que mantêm a transmissão analógica. As principais vantagens do rádio digital estão na melhoria da qualidade do som – a rádio AM passa a ter qualidade de FM e a rádio FM qualidade de CD -, e o incremento da transmissão, que pode contar, por exemplo, com letreiros digitais com informações adicionais como notícias e previsão do tempo.
Streaming: É um tipo de mídia que permite acessar um arquivo de áudio na nuvem.
Teoria da cauda longa: A maior mudança provocada pela internet foi a hiper segmentação da audiência. Com tanta gente produzindo conteúdo, a especificidade dos blogs, sites e audiocasts distribuiu a audiência. Não há mais concentração de público. O desenho de uma cauda longa, sem picos, representa esse novo perfil.
Rádio digital: Desde 2007, se discute a implantação da rádio com sinal digital no Brasil, um dos poucos países que mantêm a transmissão analógica. As principais vantagens do rádio digital estão na melhoria da qualidade do som – a rádio AM passa a ter qualidade de FM e a rádio FM qualidade de CD -, e o incremento da transmissão, que pode contar, por exemplo, com letreiros digitais com informações adicionais como notícias e previsão do tempo.
Serviço
História do rádio no Brasil, de Magaly Prado. Editora Livros de Safra/selo Da Boa Prosa, 477 páginas.
Preço sugerido: R$ 75
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