sábado, 25 de junho de 2011

UMA DEFESA DOS BLOGS

Que floresçam mil blogs!
Paulo d'Ávila*
A vida nos reserva alguns espetáculos hilariantes. Ela possui uma dimensão tragicômica muito curiosa.  O já extinto caso conhecido como o “blog da Petrobrás” é um deles.  O alarido se foi, a empresa recuou, a imprensa vence mais uma batalha, mas se trata de um fato muito interessante.
Então a Petrobrás cria um blog no qual apresenta e divulga as entrevistas feitas com a empresa pelos jornais, “quase em tempo real”, ou seja, antes da publicação das mesmas após a edição feita pelo jornal. É o suficiente para provocar um clima de destemperança nas páginas e jornais televisivos dos grandes grupos que comercializam a venda de notícias, organizados no país.  O desespero vai desde reclamações iniciais de propriedade intelectual até acusações de falta de ética (o que sempre está na moda). Os primeiros argumentos não colam e daí vem uma proliferação de novos argumentos a fim de conter o ímpeto “blogueiro” da empresa. É claro que a preocupação é compreensível, afinal esta atitude não é boa para “os negócios”.
O comércio de jornal fica prejudicado sem o famoso “furo”, ou o ineditismo.  A garantia dos “negócios”? O código entre entrevistador e entrevistado: silêncio... eu divulgo você!
O que torna tudo muito divertido é acompanhar o jornal diário. O jornalista Nelson Motta, que parece uma espécie de porta voz da imprensa em suas cruzadas cívicas contra os “inimigos do povo”, desavisadamente, ao que parece, escreve dias antes de “estourar” a notícia do blog da Petrobrás:
“Pena que os velhos anarquistas mais libertários não viveram para ver um instrumento tão livre, poderoso e igualitário como a internet, que justamente por isso é tão temida pelas tiranias de esquerda e de direita. Cada vez mais acessível a mais gente, ela nivela e aproxima, dá voz e imagem a todos e a qualquer um, é um espaço de liberdade e independência (...)  Enquanto isso, em Brasília, anuncia-se mais um ‘fórum’ para tentar encontrar instrumentos para instituir controles e limitações á imprensa. (...) Mas com lan hauses se espalhando pela cidade e computadores cada vez mais baratos (...) como é que eles vão fazer o “controle social” de 65 milhões de brasileiros on-line? Estão atrasados, mais uma vez”. (O Globo, 05/06/09)
Pois é, não fosse algo trágico seria cômico. Certos ditos são realmente precisos como o que diz que “pimenta nos olhos dos outros é refresco”. Aliás, um outro dito muito difundido é o que diz que o “órgão mais sensível de nosso corpo é o bolso”. Ao que parece valores e princípios são importantes e devem ser defendidos até que atrapalhem o meu bolso. Assim foi, por exemplo, com banqueiros brasileiros defensores do livre comércio, mas ciosos de seus negócios, contrários á abertura dos mercados aos bancos estrangeiros em igualdade de condições. Aconteceu também com as empresas de automóveis norte americanas, defensoras das liberdades comerciais, porém desejosas de medidas protecionistas contra os concorrentes japoneses. Há inúmeros exemplos deste tipo de comportamento, mas não é necessário ir muito longe, a crise econômica recente já nos mostrou os limites discursivos das liberdades diante dos negócios.
De forma parecida, vem agora o grande jornal defender o seu negócio à custa do controle sobre a veiculação de informação. O que está sendo dito é que não é possível certa liberdade de expressão, pois isto atrapalha “os negócios”.
Como não dá pra convencer ninguém de que isto é ilegal, pois não é, apela-se á um código de honra á fim de proteger o “nosso negócio”. Há sempre um especialista em ética disposto a prestar este papel, de gosto duvidoso, de pontificar o que é e o que não é ético. Recorre-se a um código de conduta interpessoal, á margem da lei, justificado pelo discurso do especialista, para pressionar o comportamento desviante que atrapalha o “nosso negócio”.
O especialista sugere quê o blog é um “terrorismo de estado”. Neste tom estratosférico poderíamos dizer que a contra partida do oligopólio é uma ação “mafiosa” para proteger “as nossas coisas”, “nosso negócio”, acuando o comportamento que desrespeita o código. Nós divulgamos você! Seria hilário, não fosse trágico. O mundo dos interesses, ainda que legítimos, quando posto as claras, pode nos proporcionar deliciosas anedotas, sobretudo quando vem embrulhado em supostos princípios éticos.
Não se trata de um problema de falta de ética. O jogo do livre mercado tem destas coisas. A tecnologia vai tornado antigos negócios obsoletos, como discuti Adriana Meirelles Kevil, estudiosa da chamada social midia:
“(...) Essa e uma das razoes pelas quais os jornais, como os conhecemos, estão fadados a desaparecer. Então... quem matou o jornal? (Sim, ele esta morto, especialmente se você tem menos de 30 anos!). Um modelo de negócios antiquado: criado há mais de 150 anos para sustentar um método de entrega que agora se prova ineficiente. Um enorme grupo de empregados que cria o conteúdo, faz o layout, imprime em papel e distribui em tempo marcado. Para justificar os preços dos anúncios, os jornais têm que manter uma alta circulação e uma lista de assinantes significativa. Esse modelo funcionou enquanto não havia outro meio para as empresas atingirem os consumidores em determinados lugares. Demonstram a inabilidade de reagir a uma realidade que eles viram se desenvolver porem rotularam como inimaginável (...)”  (Kevill, 30/06/2009)
Cabe ao comerciante mudar o seu negócio ao invés de tentar realizar pressão social para enquadrar comportamentos.  Quando um código de conduta só se sustenta mediante apelo a recursos de controle ou regulação extra-mercado ou por pressão moralista, pode ser sinal de que ele está caduco.  O código está ficando ultrapassado.
O mundo está mudando e os donos, os controladores, do “negócio” não querem reconhecer isto e os seus especialistas não estão entendendo o que está acontecendo. A diversificação, disseminação, descentralização e para os mais otimistas a democratização “dos mídias” contrariam a condução oligopólica das organizações que conduzem os “negócios” da venda de jornais. Alguns entre nós ainda tem o hábito de sujar as mãos de tinta de manhã, manuseando nosso papel jornal, outros diante da TV. As novas gerações se informam on-line, na referida como “libertária” internet. Alguém acha que deve ter regulação pra isso?
O que está acontecendo é retratado, também, de modo notável por uma auto intitulada “blogueira”. Em uma breve pesquisa que me vi forçado a empreender encontrei a seguinte passagem:
“(...) Aiiiiiiiiiiiiii, não! Você ainda está preso naquela ladainha de quem é quem na blogosfera????????? Se ainda está nessa, sorry, precisa ler muito para entender a diversidade dos blogs. Eles são tudo e, inclusive, podem ter o mesmo papel que os articulistas do velho jornalzão tem há séculos como podem ser apenas mais um blog/comercial/monetizado que vive de promoções e post pago. (...) Pega mal. É feio e, de novo, faz parte de quem tem cultura de discriminar quem é quem…(...) Fui!”http://midiasocial.wordpress.com/2009/03/18/como-se-relaciona-com-blogueiros-jornalistas-egos-e-vaidades. Março 18, 2009
A idéia é ótima. Eu gostei e acho que vou adotar, já li tanta barbaridade sobre coisas que dizemos que esta pode ser uma boa alternativa. Se todos formarmos um blog próprio, podemos publicar na integra as entrevistas, assim o leitor, preocupação primeira de um veículo, que é informar, poderá cotejar a interpretação do jornalista com a integra e formar seu próprio juízo, interessante não? Mas ai não vale? Há coisas curiosas.
Concordo que não há democracia sem liberdade de imprensa. Reconheço o argumento que sustenta os problemas em se instituir regulação do mercado editorial. O pacote democrático, porém, vem junto com direitos humanos, amplo direito de defesa e liberdade de expressão (entre os quais, criar blogs), além de tantos outros saudáveis dispositivos de um estado de direito democrático.
Mas você acha que a tragicomédia acabou? Não, ainda temos mais uma pérola. Um jornalista, por dever de ofício, afinal os chefes estão preocupados com os “negócios”, pergunta a um outro especialista: “E se a Petrobrás manipular o blog?”. Não é sério não é mesmo? É, no mínimo, risível. E você reclamando da vida. Ora viver pode ser muito divertido! Manipulação? Alguém leu entrevistas com algum intelectual ou especialista ou figura pública, alem é claro do presidente da Petrobrás defendendo o blog? Pois é, eu também não. Esta conversa de manipulação é das mais tediosas. Alguém acha que deve haver regulação sobre isso?
Convenhamos, manipuladores somos todos nós. Todos nós mobilizamos intencionalmente códigos sociais para fazer com que nosso ponto de vista seja reconhecido e aceito pelos outros.  Por que motivos isto deveria ser monopólio de um grande jornal? Nosso problema não é de manipulação da informação, mas de concentração desta atividade nas mãos de poucos. Poder-se-ia argumentar, no entanto: mas e a qualidade das informações veiculadas na internet, seria confiável? Há outro dito que diz que “se você soubesse como são feitas as salsichas e os jornais, não os consumiria”. Que floresçam mil blogs!
Publicado em 3/7/2009.
Fonte; www. ibase.br

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