Um fenômeno mal explicado
Não, não vou falar do jogador. Todo leitor que não tenha ojeriza a futebol conhece o jogador e terá a sua opinião sobre ele (majoritariamente favorável, suspeito, como a minha o é).
Gostaria de entender melhor o ser humano. Ronaldo não é apenas um talento extraordinário com a bola nos pés. Tive o prazer de participar de uma sabatina com ele organizada pela Folha. Foi uma das mais agradáveis das muitas que enfrentei, quase todas com personalidades do mundo político, em tese mais educados (do ponto de vista formal, não da civilidade) do que Ronaldo.
O jogador mostrou-se inteligente, articulado e informado. E, melhor ainda, sincero. Nunca esperava ouvir de um jogador ainda na ativa e, portanto, ainda com perspectivas, mesmo que remotas, de voltar à seleção, criticar o todo-poderoso Ricardo Teixeira, presidente da CBF.
Como é que uma pessoa com esse teor de lucidez comete a bobagem de esconder um problema --o hipotireoidismo-- que foi responsável pela única mancha na sua carreira em campo?
Explico melhor: a única coisa que se pode criticar no jogador Ronaldo é o excesso de peso. Parecia relaxamento, uma combinação de excesso de farras com escassez de treinamento.
Todo o mundo lembra que a outra crítica a um poderoso feita por Ronaldo (ao então presidente Lula) se deveu precisamente ao problema do peso. Lula falou da gordura de Ronaldo, que devolveu, intempestivamente, com o suposto hábito de Lula de beber.
O próprio Ronaldo, na entrevista-despedida, cutucou jornalistas presentes, ao dizer que mais de um deles havia ironizado a sua gordura, sem saber que se tratava de uma doença de difícil tratamento para quem, como ele, não pode tomar os remédios recomendáveis porque seria apanhado no exame anti-doping.
Também é preciso lembrar que a crise final no seu relacionamento com a torcida corintiana girou em torno do peso. O grito de guerra era "Ronaldo, gordão/fora do Timão".
Por quê, então, esconder o hipotireoidismo? Diminuiria a estatura de Ronaldo confessar que sofre de um mal que não pode combater adequadamente? Ou, ao contrário, ganharia a compreensão pelo menos de uma parcela da torcida, aquela capaz de, digamos, fanatismo humanizado, se é que existe tal coisa?
Ah, a mente humana é um aparelho demasiado complicado mesmo quando seu portador é um fenômeno.
autor: CLOVIS ROSSI
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