quarta-feira, 13 de maio de 2009

a responsabilidade da mídia



A responsabilidade social da mídia

Venício Lima - Agência Carta Maior 31.03.2009

No Brasil, os empresários de mídia continuam a defender seus interesses como se estivéssemos nos tempos da velha doutrina liberal (que, de fato, nunca vivemos). O discurso da liberdade de imprensa e da autoregulação praticado no Brasil é historicamente anterior ao trabalho da Hutchins Commission, de 1947.Há 62 anos, em 27 de março de 1947, era publicado nos Estados Unidos o primeiro volume que resultou do trabalho da Hutchins Commission – “A free and responsible press” (Uma imprensa livre e responsável). A Comissão, presidida pelo então reitor da Universidade de Chicago, Robert M. Hutchins, e formada por 13 personalidades dos mundos empresarial e acadêmico, foi uma iniciativa dos próprios empresários e foi por eles financiada.Criada em 1942 como resposta a uma onda crescente de críticas à imprensa, a Comissão tinha como objetivo formal definir quais eram as funções da mídia na sociedade moderna. Na verdade, diante da crescente oligopolização do setor e da formação das redes de radiodifusão (networks), se tornara impossível sustentar a doutrina liberal clássica de um mercado de idéias (a marketplace of ideas) onde a liberdade de expressão era exercida em igualdade de condições pelos cidadãos. A saída foi a criação da “teoria da responsabilidade social da imprensa”. Centrada no pluralismo de idéias e no profissionalismo dos jornalistas, acreditava-se que ela seria capaz de legitimar o sistema de mercado e sustentar o argumento de que a liberdade de imprensa das empresas de mídia é uma extensão da liberdade de expressão individual.Em países europeus, com forte tradição de uma imprensa partidária, no entanto, a teoria da responsabilidade social enfrentou sérias dificuldades e a doutrina liberal clássica teve que se ajustar à implantação de políticas públicas que regulassem o mercado e estimulassem a concorrência.Responsabilidade SocialA responsabilidade social tem sua origem associada à filosofia utilitarista que surge na Inglaterra e nos Estados Unidos no século XIX, de certa forma derivada das idéias de Jeremy Bentham (1784-1832) e John Stuart Mill (1806-1873).Nos anos pós Segunda Grande Guerra, a responsabilidade social se constituiu como um modelo a ser aplicado às empresas em geral e às empresas jornalísticas estadunidenses, em particular, e começou a ser introduzido através de códigos de auto-regulação estabelecidos para o comportamento de jornalistas e de setores como rádio e televisão. O modelo está, portanto, historicamente vinculado aos interesses dos grandes grupos de mídia.A responsabilidade social se baseia na crença individualista de que qualquer um que goze de liberdade tem certas obrigações para com a sociedade, daí seu caráter normativo. Na sua aplicação à mídia, é uma evolução de outra teoria da imprensa – a teoria libertária – que não tinha como referência a garantia de um fluxo de informação em nome do interesse público. A teoria da responsabilidade social, ao contrário, aceita que a mídia deve servir ao sistema econômico e buscar a obtenção do lucro, mas subordina essas funções à promoção do processo democrático e a informação do público (“o público tem o direito de saber”).Para responder às críticas que a imprensa recebia, a Hutchins Commission resumiu as exigências que os meios de comunicação teriam de cumprir em cinco pontos principais:(1) propiciar relatos fiéis e exatos, separando notícias (reportagens objetivas) das opiniões (que deveriam ser restritas às páginas de opinião);(2) servir como fórum para intercâmbio de comentários e críticas, dando espaço para que pontos de vista contrários sejam publicados;(3) retratar a imagem dos vários grupos com exatidão, registrando uma imagem representativa da sociedade, sem perpetuar os estereótipos;(4) apresentar e clarificar os objetivos e valores da sociedade, assumindo um papel educativo; e por fim,(5) distribuir amplamente o maior número de informações possíveis.Esses cinco pontos se tornariam a origem dos critérios profissionais do chamado 'bom jornalismo' – objetividade, exatidão, isenção, diversidade de opiniões, interesse público – adotado nos Estados Unidos e “escrito” nos Manuais de Redação de boa parte dos jornais brasileiros.Liberdade de imprensa vs. responsabilidade da imprensaAnalistas estadunidenses consideram que a Hutchins Commision talvez tenha sido a responsável por uma mudança fundamental de paradigma no jornalismo: da liberdade de imprensa para a responsabilidade da imprensa. Teria essa mudança de paradigma de fato ocorrido?No Brasil, certamente, os empresários de mídia continuam a defender seus interesses como se estivéssemos nos tempos da velha doutrina liberal (que, de fato, nunca vivemos). O discurso da liberdade de imprensa e da autoregulação praticado no Brasil é historicamente anterior à Hutchins Commission. Basta que se considere, por um lado, a concentração da propriedade e a ausência de regulação na mídia e, por outro, as enormes dificuldades que enfrenta até mesmo o debate de temas e projetos com potencial de alterar o status quo legal.Um exemplo contemporâneo são as resistências – que já se manifestam – em relação à realização da 1ª. Conferência Nacional de Comunicações. As recomendações da Hutchins Commission, se adotadas pelos grupos de mídia no Brasil, representariam um avanço importante. Para nós, a teoria da responsabilidade social da imprensa permanece atual, mesmo 62 anos depois.

Nenhum comentário: